Emprestei minha casa e a pessoa não quer sair: o que posso fazer?

Captura de tela 2025-12-10 154642

Imagine a cena: você empresta sua casa para alguém morar de graça – um amigo, um parente, alguém de confiança.
Passa o tempo, você precisa do imóvel de volta, pede pra pessoa sair, manda mensagem, liga, faz de tudo… e ela simplesmente não devolve a casa.

E aí vem a dúvida:

“Tenho que entrar com despejo?”
“Posso cobrar aluguel?”
“Fiquei sem saída?”

A boa notícia é: você não está de mãos atadas.
Existe um caminho jurídico bem definido para resolver isso.


1. Quando emprestamos o imóvel: o que é isso no Direito?

Na linguagem do dia a dia, você emprestou a casa.

No Direito, esse empréstimo gratuito de imóvel tem nome: comodato.

  • Você, que emprestou, é quem tem o direito à posse e ao controle do imóvel;
  • A pessoa que está morando ali, sem pagar aluguel, está apenas usando o bem porque você permitiu.

Ou seja:

  • A pessoa não é dona;
  • Nem tem “direito adquirido” de ficar ali para sempre;
  • Ela está no imóvel por sua confiança e liberalidade.

2. Quando a coisa vira problema: a pessoa não quer devolver

Enquanto você permite, tudo bem.
O problema começa quando:

  1. Você decide encerrar o empréstimo;
  2. Comunica (de preferência por escrito) e dá um prazo para a pessoa sair;
  3. A pessoa não sai e continua no imóvel como se fosse dela.

Nesse momento, a situação muda:

  • Antes, ela estava no imóvel com seu consentimento;
  • Depois que você pede pra sair e ela se recusa, passa a estar contra a sua vontade.

No Direito, isso se chama esbulho:
é quando alguém mantém um bem que não lhe pertence e não quer devolver, mesmo depois de você exigir a saída.

👉 Ponto importante:
a data do esbulho, nesses casos, costuma ser contada a partir do dia seguinte ao fim do prazo dado na notificação (a famosa carta: “desocupe o imóvel até tal dia”).


3. Não é despejo: é ação de reintegração de posse

Aqui muita gente se confunde:

  • Despejo é para contrato de aluguel (locação), quando existe pagamento de aluguel, contrato de locação, Lei do Inquilinato etc.;
  • No empréstimo gratuito, não há aluguel. É outro tipo de relação.

Nesses casos, o caminho é a Ação de Reintegração de Posse, na qual você pede:

  • que o juiz reconheça que você é o verdadeiro possuidor;
  • que houve esbulho (a pessoa ficou depois do prazo);
  • que você seja recolocado na posse do imóvel.

E mais: é possível pedir uma medida liminar, ou seja, uma decisão rápida no início do processo, sem precisar esperar todo o julgamento, desde que a prova esteja bem organizada (documentos, notificações, mensagens, testemunhas).


4. Posso cobrar algo pelo tempo que a pessoa ficou lá sem autorização?

Sim – e isso faz toda a diferença.

Quando a pessoa:

  • foi avisada pra sair;
  • sabia que você queria o imóvel de volta;
  • e mesmo assim ficou,

ela passa a usar o imóvel indevidamente, impedindo você de:

  • morar no imóvel;
  • alugar para outra pessoa;
  • vender com a posse livre.

Nessa situação, é possível pedir uma indenização pela ocupação, como se fosse um aluguel de mercado.

Na prática, funciona como uma “taxa de ocupação”:
a pessoa que ficou sem autorização passa a indenizar o dono pelo tempo em que ocupou o imóvel, a partir da data em que deveria ter saído.


5. Como calcular esse “aluguel” de quem não devolveu a casa?

Uma forma bem inteligente (e que costuma agradar o juiz) é fazer uma pesquisa de mercado:

  • procurar imóveis parecidos na mesma região;
  • verificar o valor do aluguel mensal;
  • calcular uma média.

Exemplo real:

No caso que deu origem a esse artigo, foram encontrados anúncios de imóveis parecidos com aluguéis de:

  • R$ 4.000,00
  • R$ 4.000,00
  • R$ 1.700,00

A média desses valores foi de R$ 3.233,33 por mês.

Esse número foi usado como referência para pedir a indenização.

E, se o juiz entender que precisa de um cálculo mais preciso, é possível deixar para apurar o valor exato em liquidação de sentença, ou seja, numa fase própria ao final do processo, com eventual perícia e novas pesquisas.


6. E quando o dono do imóvel está doente ou em situação delicada?

No caso concreto trabalhado, o proprietário estava em tratamento oncológico, com diagnóstico de câncer (neoplasia maligna).

Isso impacta diretamente o processo:

  • Justiça gratuita:
    o tratamento gera muito gasto e reduz a capacidade financeira, o que permite pedir que ele não tenha que pagar custas e despesas processuais, se isso comprometer seu sustento.
  • Prioridade de tramitação:
    pessoas com doença grave podem pedir que o processo ande com prioridade, o que é extremamente importante quando a pessoa está fragilizada e depende do imóvel para se organizar melhor.

7. O que os tribunais têm decidido sobre isso?

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) vem reforçando, em vários julgados, que:

  • quando alguém empresta um imóvel (comodato), continua sendo o verdadeiro possuidor;
  • depois da notificação para sair, se a pessoa não desocupa, há esbulho;
  • o dono tem direito à reintegração de posse;
  • e, além disso, pode pedir indenização pelos prejuízos, na forma de aluguéis de mercado pelo período de ocupação indevida.

📌 Em Apelação Cível n. 1.0000.25.123865-5/001, o TJMG reconheceu que, em caso de empréstimo verbal de imóvel, a existência do comodato comprova:

  • a posse indireta de quem emprestou;
  • a posse direta, precária, de quem está morando.

E decidiu que, após a notificação para desocupar, a permanência configura esbulho e autoriza:

  • a reintegração de posse;
  • o pagamento de aluguéis até a devolução do bem.

📌 Já na Apelação Cível n. 1.0000.22.258167-0/005, a Corte mineira analisou situação de comodato com prazo determinado e afirmou que o esbulho se configura quando o imóvel continua ocupado após o término do prazo contratual, admitindo, além da reintegração, a condenação ao pagamento de aluguéis compensatórios e indenização por danos ao imóvel.

Em outras palavras, a jurisprudência reforça que o comodante não está “preso” à situação:
ele pode retomar o imóvel e ainda ser indenizado pelo período em que ficou sem poder usar ou alugar sua própria casa.


8. Resumindo: o que você precisa guardar disso tudo

Se você emprestou um imóvel e a pessoa não quer sair, os pontos-chave são:

  1. Você não perdeu o imóvel: continua sendo o titular do direito à posse.
  2. Se o empréstimo era de graça, não é despejo, é ação de reintegração de posse.
  3. Notificar por escrito, com prazo para saída, é fundamental para marcar a data a partir da qual a permanência vira esbulho.
  4. Depois do prazo, se a pessoa não sai, você pode pedir na Justiça para retomar a casa.
  5. Além disso, é possível cobrar indenização equivalente a aluguel, com base no valor de mercado.
  6. Esse valor pode ser estimado por pesquisa de imóveis similares e depois ajustado em liquidação de sentença, se necessário.
  7. Se você estiver em situação de saúde delicada (como tratamento de câncer), pode pedir justiça gratuita e prioridade no andamento do processo.
  8. A jurisprudência reforça o seu direito de reaver o imóvel e ser indenizado pela ocupação indevida.
Ainda com dúvidas? Fale agora com um especialista diretamente no WhatsApp:
Deixe seu Comentário:

Compartilhe:

Últimos Posts:

Comprei um terreno e estão dizendo que invadi: entenda seus direitos e como se defender

Comprei um terreno e estão dizendo que invadi: entenda seus direitos e como se defender

1. A situação real de muita gente: você compra, paga… e vira “invasor”

Parece filme, mas é a vida real.

Você compra um terreno, faz contrato, paga direitinho, começa a construir ou cercar a área…
De repente, aparece alguém — muitas vezes até da própria família — dizendo:

“Você invadiu meu terreno. Vou te colocar na Justiça.”

É aí que vem o medo: posso perder tudo?
Vou ter que sair do imóvel?
O juiz vai entender que eu sou invasor?

A boa notícia é: nem sempre quem entra primeiro com a ação está com a razão.
E, se você comprou de boa-fé, a lei te protege.


2. Posse de boa-fé: o que isso significa, na prática?

Na linguagem técnica, dizemos que você tem posse de boa-fé quando:

  • você acredita sinceramente que quem te vendeu tinha condição de vender;
  • existe algum título (contrato, recibo, documento, declaração) que mostra essa compra;
  • você entra na área com autorização, não “na surdina” ou na marra.

Ou seja:
Quem compra terreno de irmão, parente ou condômino, com contrato e mapa da área, em regra não é invasor.
É possuidor de boa-fé.

Se depois surge discussão entre os familiares, herdeiros ou condôminos, esse problema é interno entre eles, não pode simplesmente recair sobre você como se fosse um invasor qualquer.


3. Quando o vendedor é irmão ou condômino: por que isso importa tanto?

Em muitos casos, o terreno maior é de uma família inteira, em condomínio:

  • o avô ou pai era dono da gleba;
  • os filhos viraram condôminos;
  • cada um “cuida” de um pedaço e, com o tempo, vende sua parte.

Se você compra de um desses condôminos (por exemplo, do irmão do autor da ação), alguns pontos pesam muito a seu favor:

  • o próprio autor reconhece, normalmente, que o imóvel é em condomínio entre os irmãos;
  • quem te vendeu faz parte da mesma cadeia de posse;
  • você não pulou a cerca de ninguém – você entrou ali porque foi colocado pelo próprio condômino.

Numa ação de reintegração de posse, isso muda completamente o enquadramento do seu caso:

  • não houve invasão violenta ou clandestina,
  • houve transmissão de posse por quem aparentava ter legitimidade para isso.

4. “Mas o autor entrou com reintegração de posse contra mim. E agora?”

Se você está sendo processado por reintegração de posse, a acusação é basicamente essa:

“Você praticou esbulho, tirou a posse de quem estava lá antes.”

Em defesa, é possível demonstrar que:

  1. Você não invadiu:
    • entrou na área porque comprou;
    • tem contrato, mapa da área, declaração de posse, comprovante de pagamento, fotos, etc.
  2. Sua posse é justa e de boa-fé:
    • não é violenta (ninguém foi expulso à força);
    • não é clandestina (todo mundo sabe que você está ali);
    • não é precária (não é empréstimo que você se recusou a devolver, é compra).
  3. O problema, se houver, é entre condôminos:
    • se o irmão não podia vender, ou se vendeu mais do que podia,
    • isso é questão a ser resolvida entre eles, não jogando tudo nas suas costas.

Em alguns casos, ainda é possível chamar o vendedor ao processo (denunciação da lide) para que ele seja responsabilizado, se lá na frente houver alguma perda da posse.


5. Provas que te ajudam a mostrar que você não é invasor

Se você está nessa situação, é essencial organizar documentos.
Alguns exemplos que fazem toda diferença:

  • Contrato de compra e venda (mesmo que particular);
  • Comprovante de pagamento (PIX, TED, transferência, recibo);
  • Mapa / planta da área mostrando exatamente os 2.000 m² (ou a metragem que você comprou);
  • Declarações de posse emitidas por órgão público, prefeitura, órgãos ambientais ou associações locais;
  • Fotos da área antes e depois da compra;
  • Testemunhas que sabem que você entrou ali porque comprou, e não porque invadiu;
  • Qualquer documento onde o vendedor (irmão, condômino, parente) reconhece que a área era a parte dele.

Quanto mais claro estiver que você foi colocado naquela área pelo próprio condômino, mais difícil será sustentar que você é “invasor”.


6. E se a Justiça te considerar invasor mesmo assim?

Pode acontecer de o juiz entender que a posse do autor prevalece e determinar que você:

  • desocupe a área,
  • retire cercas ou construções,
  • saia do imóvel.

Nessa hipótese, podem existir caminhos de proteção, como:

  • Direito de regresso contra quem te vendeu (o vendedor pode ser obrigado a te indenizar pelo valor pago, custas, honorários, benfeitorias, etc.);
  • Revisão ou recurso da decisão, se houver falha na análise das provas ou cerceamento de defesa;
  • Discussão específica sobre benfeitorias (o que você construiu ou melhorou na área).

Por isso é tão importante atuar desde o início com estratégia, e não apenas “responder ao processo” de qualquer jeito.


7. Quando procurar um advogado?

Você deve procurar um advogado assim que receber qualquer notificação, carta do correio ou oficial de Justiça, principalmente se:

  • o documento fala em “ação de reintegração de posse”;
  • você aparece como “invasor”;
  • consta prazo para contestação.

Nesses casos, cada detalhe processual importa:

  • nome errado na citação,
  • falta de prazo para se defender,
  • audiência marcada sem que você tenha apresentado contestação,
  • provas não analisadas.

Tudo isso pode ser usado para evitar injustiças e proteger sua posse.


8. Conclusão: comprar de boa-fé não te transforma em invasor

Se você comprou um terreno de um familiar, irmão, condômino ou conhecido, com contrato e documentos, e agora está sendo chamado de “invasor”, não assuma essa culpa sozinho.

Em muitos casos:

  • você é possuidor de boa-fé;
  • a discussão verdadeira é entre os donos antigos;
  • existem meios jurídicos tanto para se defender da reintegração de posse, quanto para, se necessário, buscar indenização de quem te vendeu.

9. Precisa de ajuda com um caso assim?

Se você está passando por situação parecida — comprou um terreno e agora dizem que você invadiu —, o ideal é ter ao seu lado um advogado especialista em Direito Imobiliário e ações possessórias, que entenda de:

  • reintegração de posse,
  • posse de boa-fé,
  • condomínio de família,
  • contratos de compra e venda de terreno.

Assim, você não só se defende da melhor maneira possível, como também protege seu investimento e seus direitos perante quem te vendeu o imóvel.

Emprestei minha casa e a pessoa não quer sair: o que posso fazer?

Emprestei minha casa e a pessoa não quer sair: o que posso fazer?

Imagine a cena: você empresta sua casa para alguém morar de graça – um amigo, um parente, alguém de confiança.Passa…
Descubra Tudo Sobre Insalubridade: Como Funciona e Quem Tem Direito

Descubra Tudo Sobre Insalubridade: Como Funciona e Quem Tem Direito

Todos os dias, milhares de trabalhadores lidam com condições insalubres no ambiente de trabalho: exposição a produtos químicos, ruídos intensos…
Michael Santos Advogado
Visão geral da privacidade

Este site usa cookies para que possamos fornecer a melhor experiência de usuário possível. As informações de cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.