Imagine a cena: você empresta sua casa para alguém morar de graça – um amigo, um parente, alguém de confiança.
Passa o tempo, você precisa do imóvel de volta, pede pra pessoa sair, manda mensagem, liga, faz de tudo… e ela simplesmente não devolve a casa.

E aí vem a dúvida:
“Tenho que entrar com despejo?”
“Posso cobrar aluguel?”
“Fiquei sem saída?”
A boa notícia é: você não está de mãos atadas.
Existe um caminho jurídico bem definido para resolver isso.
1. Quando emprestamos o imóvel: o que é isso no Direito?
Na linguagem do dia a dia, você emprestou a casa.
No Direito, esse empréstimo gratuito de imóvel tem nome: comodato.
- Você, que emprestou, é quem tem o direito à posse e ao controle do imóvel;
- A pessoa que está morando ali, sem pagar aluguel, está apenas usando o bem porque você permitiu.
Ou seja:
- A pessoa não é dona;
- Nem tem “direito adquirido” de ficar ali para sempre;
- Ela está no imóvel por sua confiança e liberalidade.
2. Quando a coisa vira problema: a pessoa não quer devolver
Enquanto você permite, tudo bem.
O problema começa quando:
- Você decide encerrar o empréstimo;
- Comunica (de preferência por escrito) e dá um prazo para a pessoa sair;
- A pessoa não sai e continua no imóvel como se fosse dela.
Nesse momento, a situação muda:
- Antes, ela estava no imóvel com seu consentimento;
- Depois que você pede pra sair e ela se recusa, passa a estar contra a sua vontade.
No Direito, isso se chama esbulho:
é quando alguém mantém um bem que não lhe pertence e não quer devolver, mesmo depois de você exigir a saída.
👉 Ponto importante:
a data do esbulho, nesses casos, costuma ser contada a partir do dia seguinte ao fim do prazo dado na notificação (a famosa carta: “desocupe o imóvel até tal dia”).
3. Não é despejo: é ação de reintegração de posse
Aqui muita gente se confunde:
- Despejo é para contrato de aluguel (locação), quando existe pagamento de aluguel, contrato de locação, Lei do Inquilinato etc.;
- No empréstimo gratuito, não há aluguel. É outro tipo de relação.
Nesses casos, o caminho é a Ação de Reintegração de Posse, na qual você pede:
- que o juiz reconheça que você é o verdadeiro possuidor;
- que houve esbulho (a pessoa ficou depois do prazo);
- que você seja recolocado na posse do imóvel.
E mais: é possível pedir uma medida liminar, ou seja, uma decisão rápida no início do processo, sem precisar esperar todo o julgamento, desde que a prova esteja bem organizada (documentos, notificações, mensagens, testemunhas).
4. Posso cobrar algo pelo tempo que a pessoa ficou lá sem autorização?
Sim – e isso faz toda a diferença.
Quando a pessoa:
- foi avisada pra sair;
- sabia que você queria o imóvel de volta;
- e mesmo assim ficou,
ela passa a usar o imóvel indevidamente, impedindo você de:
- morar no imóvel;
- alugar para outra pessoa;
- vender com a posse livre.
Nessa situação, é possível pedir uma indenização pela ocupação, como se fosse um aluguel de mercado.
Na prática, funciona como uma “taxa de ocupação”:
a pessoa que ficou sem autorização passa a indenizar o dono pelo tempo em que ocupou o imóvel, a partir da data em que deveria ter saído.
5. Como calcular esse “aluguel” de quem não devolveu a casa?
Uma forma bem inteligente (e que costuma agradar o juiz) é fazer uma pesquisa de mercado:
- procurar imóveis parecidos na mesma região;
- verificar o valor do aluguel mensal;
- calcular uma média.
Exemplo real:
No caso que deu origem a esse artigo, foram encontrados anúncios de imóveis parecidos com aluguéis de:
- R$ 4.000,00
- R$ 4.000,00
- R$ 1.700,00
A média desses valores foi de R$ 3.233,33 por mês.
Esse número foi usado como referência para pedir a indenização.
E, se o juiz entender que precisa de um cálculo mais preciso, é possível deixar para apurar o valor exato em liquidação de sentença, ou seja, numa fase própria ao final do processo, com eventual perícia e novas pesquisas.
6. E quando o dono do imóvel está doente ou em situação delicada?
No caso concreto trabalhado, o proprietário estava em tratamento oncológico, com diagnóstico de câncer (neoplasia maligna).
Isso impacta diretamente o processo:
- Justiça gratuita:
o tratamento gera muito gasto e reduz a capacidade financeira, o que permite pedir que ele não tenha que pagar custas e despesas processuais, se isso comprometer seu sustento. - Prioridade de tramitação:
pessoas com doença grave podem pedir que o processo ande com prioridade, o que é extremamente importante quando a pessoa está fragilizada e depende do imóvel para se organizar melhor.
7. O que os tribunais têm decidido sobre isso?
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) vem reforçando, em vários julgados, que:
- quando alguém empresta um imóvel (comodato), continua sendo o verdadeiro possuidor;
- depois da notificação para sair, se a pessoa não desocupa, há esbulho;
- o dono tem direito à reintegração de posse;
- e, além disso, pode pedir indenização pelos prejuízos, na forma de aluguéis de mercado pelo período de ocupação indevida.
📌 Em Apelação Cível n. 1.0000.25.123865-5/001, o TJMG reconheceu que, em caso de empréstimo verbal de imóvel, a existência do comodato comprova:
- a posse indireta de quem emprestou;
- a posse direta, precária, de quem está morando.
E decidiu que, após a notificação para desocupar, a permanência configura esbulho e autoriza:
- a reintegração de posse;
- o pagamento de aluguéis até a devolução do bem.
📌 Já na Apelação Cível n. 1.0000.22.258167-0/005, a Corte mineira analisou situação de comodato com prazo determinado e afirmou que o esbulho se configura quando o imóvel continua ocupado após o término do prazo contratual, admitindo, além da reintegração, a condenação ao pagamento de aluguéis compensatórios e indenização por danos ao imóvel.
Em outras palavras, a jurisprudência reforça que o comodante não está “preso” à situação:
ele pode retomar o imóvel e ainda ser indenizado pelo período em que ficou sem poder usar ou alugar sua própria casa.
8. Resumindo: o que você precisa guardar disso tudo
Se você emprestou um imóvel e a pessoa não quer sair, os pontos-chave são:
- Você não perdeu o imóvel: continua sendo o titular do direito à posse.
- Se o empréstimo era de graça, não é despejo, é ação de reintegração de posse.
- Notificar por escrito, com prazo para saída, é fundamental para marcar a data a partir da qual a permanência vira esbulho.
- Depois do prazo, se a pessoa não sai, você pode pedir na Justiça para retomar a casa.
- Além disso, é possível cobrar indenização equivalente a aluguel, com base no valor de mercado.
- Esse valor pode ser estimado por pesquisa de imóveis similares e depois ajustado em liquidação de sentença, se necessário.
- Se você estiver em situação de saúde delicada (como tratamento de câncer), pode pedir justiça gratuita e prioridade no andamento do processo.
- A jurisprudência reforça o seu direito de reaver o imóvel e ser indenizado pela ocupação indevida.


